quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Minha vó está morrendo

Quer horror falar isso, eu sei, mas é a verdade. Ela é uma senhora de 74 anos e tem reumatismo, por isso sofre há alguns anos com dores muito fortes que a impedem de dormir a noite inteira, ela apenas cochila. Semana passada ela foi internada em estado moderado para grave, e agora está fazendo hemodiálise. Minha mãe, que vive no Rio com a gente, liga todos os dias para ela, que mora em Pernambuco. Sempre ouço essas conversas preocupadas, ansiosas por qualquer sinal de melhora. Minha mãe não quer que minha avó morra. Eu também não quero. Mas não quero que ela viva sofrendo porque penso não valer a pena. Eu não falo isso em voz alta por medo de magoar minha mãe. Mas fico me questionando se vale a pena pedir a Deus para manter minha vó entre nós. Será que viver sofrendo é mesmo melhor do que morrer?


Nesses últimos dias minha opinião oscilou muito, parecia que a vida estava me desafiando a tomar uma posição. Primeiro, o livro que eu estava lendo falava muito sobre morte e obre vida. Os personagens principais tiveram que lidar com a mortes inesperadas em suas vidas, um perdeu os pais em um acidente de carro, enquanto o pai de outro morreu de ataque cardíaco. Cada um lidou da forma que podia com a avalanche de sentimentos: tristeza, frustração, raiva. O primeiro escolheu a poesia, a coragem, para encarar de frente o acontecido. O primeiro estágio do luto é inútil, quanto menos negarmos a morte mas fácil será supera-lá. É o que sempre pensei, não adianta fingir que não está para acontecer. Todos nós estamos morrendo, alguns só estão mais perto disso e sabem. Saber, aqui, é uma informação privilegiada, coisa que o segundo personagem em questão teve a sorte de ter. Não bastasse perder o pai, ele descobre que muito em breve vai perder a mãe, que está com câncer. Ao mesmo tempo que é desesperador também é a oportunidade de aproveitar cada segundo, viver intensamente cada momento com a pessoa que em pouco tempo não vai mais estar ali. O segredo e desafio é não lutar com a morte para aproveitar a vida. Mas aí é que reside a maior incoerência de todas, eu, que acho que a morte deve ser aceita lutaria até o fim pela vida. Pela minha vida, mas se tratando a vida dos outros penso diferente. Não faz sentido. É mais que irônico, é egoísta, mesquinho.


No mesmo dia, sem querer, acabei assistindo ao fim de Menina de Ouro. Nunca tive o menor interesse de ver o filme, não gosto de dramas, eles me deixam na bad por vááários dias e é péssimo. Mas a vida queria mesmo que eu escolhesse um lado. Como o filme é de 2004 vou ignorar as regras anti-spoiler. Logo no finzinho, quando a Hilary Swank (não lembro o nome da personagem) já está internada no hospital, paraplégica, ela pede ao seu treinador que a mate, não literalmente, mas que permita que ele morra porque ela quer morrer, ao invés de viver naquela situação. É horrível, chorei e tudo. Eu entendia que ele não queria vê-la morta, afinal, a gente não quer se despedir para sempre de quem a gente ama. Ela mesma tenta se matar algumas vezes até que, finalmente, seu treinador faz sua vontade. Até então eu não entendia se eu era o treinador ou se eu era a família escrota dela que só pensa nos bens que ela vai deixar. Eu não penso no que minha vó vai me deixar porque ela já deixou, minha mãe. O que ela poderia fazer pra mim ela já fez, e eu não pediria mais. Por isso mesmo não posso deseja-lá menos. Ela quer viver, e eu quero que ela viva. Viva para voltar para casa, para ver minha mãe mais uma vez, para me ver mais uma vez. Viva para comer sua comida favorita mais vezes, para rir mais vezes, até que seja a última vez e não haja mais saída. 


***Este post faz parte do BEDA, que consiste em postar TODOS OS DIAS durante o mês de agosto. Me ajudem!!11! Indiquem temas, tags e receitas para manter a sanidade.

5 comentários:

  1. Muito legal seu post.....
    Tag: Perfume literário eu que criei essa tag e vc poderia responder... bjs
    http://amandaelacos.com.br/v1/post/tag-perfume-literario/

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  2. Olá!
    Me emocionei ao ler o seu texto. Sei bem o que vc ta passando. Eu fui criada pela minha avó e quando ela ficou doente e internada, eu não sabia o que pedir a Deus. Tinha o mesmo pensamento que vc. Então resolvi pedi a Ele que fizesse a vontade dEle e que fosse o melhor para ela. Ela faleceu há 5 anos e até hoje eu sinto falta dela.
    Tenha fé e força para fortalecer a sua mãe.
    Bjus

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  3. Uau! {primeiramente, chorei muito com esse texto}, é MUITO dificil saber que você está prestes a perder alguém, mas na minha opinião é melhor que alguém vá do que fique sofrendo. Mas, infelizmente, não tenho um conselho legal pra te dar, até sou boa com conselhos (acredite), mas acho que você apenas tem que ter fé e acreditar que o melhor será feito.

    Cheiro de Pipoca

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  4. Nossa Gabriela, que situação. Sabe, eu não penso muito sobre minha morte e (acho que) não tenho medo, mas um pensamento que não consigo desviar da minha cabeça é que as pessoas que eu amo vão morrer um dia, e eu absolutamente não sei lidar com essa informação. Porque é um medo horrível e monstruoso que eu SEI que vai se concretizar um dia. Pode demorar, pode ser amanhã, mas vai acontecer e eu vou ter que passar por isso. É complicado. Então, embora racionalmente eu concorde totalmente que viver com dor, sofrendo, preso a uma cama e sem qualidade de vida não seja exatamente viver (eu preferiria morrer sem pensar muito), entendo quando você diz que também não tem coragem de deixar sua avó ir. É complicado, mas a vida tem dessas.
    Enfim, muita paz e coragem no seu coração pra enfrentar tudo isso.
    Um beijo!

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  5. Ai, Gabi, que coisa triste. Eu sou uma pessoa que não sabe lidar com morte. Sei que vai acontecer, sei que vou ter que lidar com isso, mas só a ideia dela já me põe numa bad do tipo que me faz chorar de ensopar a fronha do travesseiro. Penso que vida sem qualidade, onde só tem sofrimento, não é algo pelo qual a gente deveria se apegar. É egoísta desejar que alguém viva só pra eu não ficar mal. Por outro lado, nós sempre temos esperança de que as coisas vão melhorar. Então fico sempre entre esses dois pensamentos.
    Boa sorte, serenidade e paz pra lidar com isso.
    Beijos!

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